Uma porta se abre e uma corrente de ar varre a sala. O fogo na lareira oscila. A umidade escorre pelas paredes da casa. Folhas de jornais abertas pelo chão cobrem o caminho por onde todos passam, na sala, no corredor, na cozinha. A umidade e os passos dos que caminham por ali consomem aquelas folhas, criando rastros: uma mistura de papel, barro, e água. A empregada logo repõe a trilha com folhas novas do jornal de anteontem. A família está reunida. Gente da Capital também virá e, quando chegarem, haverá gritaria, beijos, abraços e gargalhadas.
Cidade de Pelotas, frio e umidade. A viagem até lá é feita por uma estrada reta que corta pastagens e plantações de arroz. Virgínia está no banco traseiro de uma caminhonete. O veículo vai a cento e vinte, cento e trinta quilômetros por hora, e diminui a velocidade ao se aproximar do posto da polícia. Sobressaltos e barulho intermitente de pneus sobre sonorizadores, pequenas lombadas. Pelotas se aproxima. A caminhonete se desloca com rapidez por uma grande avenida asfaltada. Logo a seguir a avenida Dom Joaquim; à direita a Marechal Deodoro. Não há asfalto, mas calçamento. Um barulho ensurdecedor de borracha contra pedra. Ruas que se cortam formando quadrados perfeitos começam a aparecer. Os arredores da zona central. Virgínia avista a casa de seu avô. Andam mais duzentos metros e param em frente ao portão da garagem da casa, em uma rampa molhada pela umidade do ar. Virgínia desce e corre até a porta.
Alcebíades, com o pescoço envolto por uma manta negra, sai de sua cadeira e vai até a cozinha. Apanha uma caixa de fósforos amarela. Com um longo palito e mãos trêmulas acende o cigarro. A campainha toca insistentemente. Ele leva a mão ao aparelho de ouvido e o ajusta. Tosse. Lento, vai até a porta.
Do lado de fora, Virgínia esfrega as mãos. O nariz está vermelho. Seus pais ainda descarregam o porta-malas. Ela pressiona o botão da campainha cinco vezes.
Alcebíades abre a porta. A corrente de ar levanta o poncho do velho e o cigarro vai ao chão, apagando-se ao tocar uma folha de jornal encharcada. Então, Virgínia o abraça, beija-lhe a face, as mãos. Eles vão juntos até a lareira assim, abraçados. O nó-de-pinho queima um fogo alaranjado. Nas paredes, retratos em preto-e-branco. Uma boleadeira com a manicla desgastada pendendo sobre a parede da chaminé. Um fole e um gancho de ferro encostados a uma grade colocada em frente ao fogo. Sentadas em sofás de couro cru, todas as tias estão ali, ao redor da lareira, encolhidas, enrugadas.