Diários da descoberta da América – resenha para preguiçosos

Esta é uma resenha que escrevi há uma dúzia de anos, para não reler os Diários integralmente. Alunos brasileiros, algo me diz, farão bom uso dela para não ler o livro. Macunaíma vive.

O texto dos Diários da descoberta da América é um relato, acrescido de um testamento, das quatro viagens do navegador genovês Cristóvão Colombo às “Índias”, no período de 1492 a 1504.

Colombo pretende, ao longo dos Diários, descrever aos reis espanhóis, e em especial à rainha, todas as experiências por que passou. Usa a terceira pessoa para falar de si mesmo, o que confere maior formalidade ao texto. Não se dirige, contudo, somente aos soberanos, mas também a Deus, a quem com freqüência agradece em atitude respeitosa. Talvez se possa dizer que atua ele próprio como um Deus, pelo menos na primeira viagem, ao adotar uma postura cuja característica principal é a de ser onipotente o bastante para ocultar de seus marinheiros, que temiam um abismo em pleno oceano, a verdadeira distância percorrida por sua embarcação, a Santa Maria. Oculta de seus subordinados o que sabe, pois , ao contrário deles, está consciente de que nenhum abismo aparecerá, e porque é um homem obstinado cujo sonho maior é o de descobrir, navegando sempre a oeste, novos caminhos marítimos para as Índias, em busca de especiarias.

No primeiro contato que tem com os nativos, antevê a possibilidade de evangelizá-los. Ao ver animais que desconhece, tenta assemelhá-los, usando o vocabulário europeu, a animais de sua terra. Também o colorido e a fauna e flora exóticas deslumbram-no, fazendo com que o mundo que descreva tenha feições paradisíacas. Aquilo que era desconhecido, portanto, planta-se em seu imaginário como semente de uma nova realidade a ser desenvolvida quase que messianicamente pela coroa espanhola, da qual era representante. Interessa-lhe também o ouro que, no princípio, vê alguns dos nativos usarem como adereço, e que já começa a ser trocado por miçangas e similares, mas que só na segunda viagem será mais explorado e procurado.

Assim, a busca do ouro aliada à intenção evangelizadora talvez possam ser citadas como duas das principais características da primeira viagem, por mais que esta fosse algo mais do mundo da fantasia do que da realidade, já que toda a trajetória nas ilhas do Caribe é tomada por viagem ao reino de Cipango, ou seja, ao atual Japão. O local (atual Haiti) é tão promissor que Colombo manda construir um forte, Navidad, onde deixa 39 colonos, antes de regressar à Espanha. A volta da primeira viagem só se conclui depois de enfrentarem péssimo tempo e retenção temporária de alguns marinheiros nas ilhas de Santa Maria e de São Miguel (Açores). O almirante chega em Lisboa, onde todos se assombram com os índios que trazia em sua embarcação, para só depois dirigir-se a Barcelona, onde estavam Suas Majestades. É necessário relatar aos patrocinadores da jornada o que se conseguiu.

Tendo sido o relato convincente, Colombo parte, em 25 de setembro de 1493, com dezessete navios e 1200 marinheiros, para sua segunda viagem, que não é relatada como se fosse um diário, mas como memorial. O discurso dirige-se a Antonio de Torres, a quem cumprirá, segundo Colombo, relatar os fatos aos reis espanhóis, por isso o tom monocórdico, do “direis”, acompanhado do enfadonho “outrossim”, que abre a maioria dos parágrafos.

Já logo no início do memorial, que começa a ser contado a partir da chegada à ilha de Dominica, assim nomeada por que lá chegaram em um domingo, o narrador trata de assegurar aos monarcas que há especiarias e ouro. Diz-lhes, também, que podem agradecer a Deus por isso, o que demonstra o caráter religioso da expedição que governa. Colombo desculpa-se pelo fato de o ouro ainda não ser em quantidade suficiente para agradar aos reis, atribuindo a escassez à doença de alguns marinheiros, por sua vez atribuída à mudança de ares e águas, às dificuldades naturais e à ausência de animais de tração, sem os quais as incursões pelo novo território tornavam-se difíceis. Há também, no início do memorial, no sexto parágrafo, a conscientização de que é necessário resguardar-se, isto é, proteger-se de ataques dos nativos, uma referência ao massacre do forte Navidad, em que morreram os 39 colonos ali deixados.

Os fatores citados no parágrafo anterior são indicações de que tanto a defesa do território quanto a alimentação adequada, ou seja, o cultivo da terra, constituem fatores basilares para o desenvolvimento da ocupação de um novo território. Colombo solicita que lhe sejam mandados mantimentos, como vinho, biscoitos, carnes, além de animais vivos como carneiros, bezerros, e cabritos, para a sustentação de seus comandados. Essa operação toda já deveria passar pela figura do mercador, pago com o ouro das Índias, e que de posse do metal, dirigir-se-ia aos reis para ser reembolsado.

A difícil comunicação com os indígenas requer, de acordo com o almirante, o início de um pequeno intercâmbio, isto é, o envio de alguns nativos à Europa para que aprendam a língua do colonizador e adotem sua religião. Colombo também sugere que sejam escravizados, o que não é aceito por Isabela. Logo a seguir, começa uma seqüência de pedidos que inclui tanto salários e títulos aos homens que mais se destacam quanto soldos àqueles que vieram para a ilha sem nada receber, o que indica a vontade de que se institua uma colônia de facto, e com as devidas proteções àqueles mais próximos, algo que parece ser inerente ao espírito ibérico, se julgarmos pelo padrão latino-americano vigente.

Na terceira viagem, em 1498, Colombo chega primeiro à América do Sul, subindo depois até a ilha Espanhola, sempre pensando estar no Oriente, e próximo do paraíso terrestre. Faz considerações acerca da esfericidade da Terra. Relata seus contatos com os índios de maneira semelhante à primeira viagem. O fato novo é que Colombo perde seu título de Governador Geral das Índias devido a um conflito entre os colonos, sendo enviado de volta para a Espanha, acorrentado. Começa a perder seu prestígio.

O relato da quarta viagem assume um tom bastante melancólico, reflexo do fracasso de uma expedição que quase ficou encalhada e que não encontrou ouro algum. Semanas após seu retorno, com a morte de Isabela, seu prestígio, já pequeno, anula-se.

O testamento, que encerra o volume, é um exercício fantasioso e patético de um homem, que, mesmo fracassado, considera-se detentor dos direitos correspondentes aos cargos de Almirante, Vice-rei e Governador. Pelo documento lega a seus dependentes, em especial ao filho Diogo, o dízimo de tudo o que se achar e extrair nas Índias. Morre, portanto, renegando sua condição miserável, e convicto de que chegara ao Oriente.

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4 respostas para Diários da descoberta da América – resenha para preguiçosos

  1. Zeus Lopes disse:

    perfeito,com certeza com essas informações minha pesquisa de história vai ficar 10! vlw ^^

  2. Verônica disse:

    Cadê a fonte?

  3. Vinicius disse:

    Verônica, a fonte da resenha é a minha cabeça. Sobre a edição dos “Diários” utilizada, creio ter sido a da L&PM. Algo mais?

  4. Vinicius disse:

    Zeus, só vi seu comentário agora, cinco anos depois. Copiou e colou? Lastimável.

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