Sobre homens e orangotangos, à luz de Ortega y Gasset

Em algum momento do século passado, no entre-guerras, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset escrevia (em “A rebelião das massas”), com aquela fluência prosaica que lhe era inerente, sobre a ascensão do homem médio, do homem mediano, do homem-massa, ao poder (não só ao poder político, mas ao poder em sentido mais pleno, qual seja, o de ocupação integral de espaços). Essa ocupação, que – pressentia Ortega – seria total e totalitária, dar-se-ia muito pela quantidade, por aquilo que o espanhol chamava de “cheio”. Em qualquer lugar que se fosse, a ocupação já estaria consolidada pelo excesso, pela alta densidade demográfica, pela massa, enfim.

Hoje, cerca de 70 anos depois, o problema é outro: não se trata mais da ascensão do homem médio em detrimento do indivíduo, mas da simples aniquilação deste. Não há mais indivíduos. Os meios de comunicação, a publicidade e a mentalidade coletivista – que a todos tratam como um rebanho bovino – não prezam a contestação genuína à ideologia prevalente, mas apenas a contestação de fachada: aquela que, rápida e sinteticamente, se integra ao ruminar mediano dos bárbaros, todos eles coletivamente individualistas ao extremo, e, portanto, muito distantes de serem indivíduos.

Uma das marcas mais profundas do humano, hoje, é a impossibilidade de se estar sozinho. A solidão, hoje, só vale quando é compartilhada, seja como manifestação de sofrimento, seja como troféu de alguma empreitada esportiva ou turística. Não há mais o espantar-se, que é tão íntimo da solidão e do conhecimento. Tudo já está – pensam os bárbaros – inteiramente conhecido: o homem domina o mundo, é um ser pleno. Resta-lhe(s) apenas, portanto, uma necessidade, que é perpetuar a acumulação de bens. Sim: a única novidade possível, hoje, é a posse de mais e mais bens, todos eles bem concretos e passíveis de causar inveja à horda de seus equivalentes circundantes. Acumular, para eles, equivale a conhecer. Acumular é o thaumázein (espanto) de hoje. Comprar mais do mesmo, isto é, dispor da última versão de tudo, causa-lhes a sensação de um passo dado em direção à plenitude. Mas é uma plenitude de orangotango.

Como, aparentemente, não há maneira de recuar diante do mundo instituído, da técnica, da multidão e das “benesses” do sistema social e econômico sob o qual vivemos, estamos, de fato, diante de um dilema próximo do insolúvel. Mas não nos preocupemos: caso não o resolvamos, Eike Batista certamente nos oferecerá a solução…

 

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