Leio no segundo capítulo do livro de Merquior sobre Foucault, intitulado justamente “Foucault” (livro escrito originalmente em inglês e traduzido para o português como “Foucault – ou o niilismo de cátedra”), a seguinte citação, retirada de “Histoire de la folie à l’Âge Classique”:
“O manicômio é o espelho de toda uma estrutura autoritária – a da sociedade burguesa. Constitui-se em um microcosmo no qual estão simbolizadas as sólidas estruturas da sociedade burguesa e seus valores: relações família-criança, centradas no tema da autoridade paterna; relações transgressão-punição, centradas no tema da justiça imediata; relações loucura-desordem, centradas no tema da ordem social e moral.” [tradução minha a partir do texto em inglês]
Talvez nem todos saibam que essa citação (com a qual concordo) sofrerá, como de resto sofre a obra do filósofo francês, dura crítica do autor brasileiro, interessado em defender a tese de que a razão iluminista, ao contrário do que apregoa Foucault, não deve servir de bode expiatório sobre o qual recaiam os pecados da humanidade (algo com o que também concordo). Sim, a citada estrutura autoritária está lá, presente, não só no manicômio, mas nas escolas, no ambiente de trabalho etc. Contudo, não é o abandono da razão em nome de uma subversão afetada e mítica que conduzirá o mundo a algum estado de incondicional celebração da vida em detrimento do(s) sistema(s) sob o(s) qual(is) vivemos. A razão é sempre bem-vinda, ainda mais quando se sabe no que descambou a filosofia francesa destes últimos 40 ou 50 anos, estragando a vida intelectual de duas gerações: “Words, words, words”, como diria o personagem de Shakespeare aquele.
Posição equilibrada, não entendo por que Merchior escreveu um livro para apenas tentar desacreditar o pensador francês. Trabalho em um manicômio e ele espelha, sim, uma relação de poder como explicitado por Foucault. Polemista, culto, Merquior deveria ter tentado escrever livros que rivalizassem com o gigante de Poitiers ao invés de apenas apontar possíveis “falhas”.
Interessante sua perspectiva. Mas Merquior escreveu muitos e bons livros…
Desculpe-me pela demora em responder.
Cordialmente,
Vinicius