Quando em mim havia maior capacidade de indignação, escrevia, metade colérico, metade sereno. Hoje, simplesmente, não há tempo para escrever. Escrever demanda um certo ímpeto, respeito pela palavra. Atualmente se escreve tanto – e tão ao gosto obtuso de seres mal-educados ainda que repletos de plata – que me falta ânimo, alma. Guardo a cartucheira e não disparo minhas palavras, porque feitas – ó desgosto profundo – da mesma matéria (som e sentido que são) com que primários pensam compor obras-primas.
Entregam-se os espíritos de hoje ao gozo imediato. Ao gozo estético raso (ainda que o pensem profundo, quando desfilam, nobres, pelos shopping malls das metrópoles do nada). Entregam-se, bestializados, ao utilitarismo. À trapaça, se necessário. E o fazem sem escrúpulos. Eu te suplanto – dizem. E eu digo, de sorrate: suplanto-te eu. Mas não entendem. Forjam seu saber em livretos de ciência psicológica de segunda e tudo interpretam pelo viés da subjugação do outro. Amor transformam em carência; amizade, em interesse; crítica, em revide; aconselhamento, em ressentimento. E passam os dias no estupor do estômago satisfeito. Como os animais, aliás. Como seus cães. Submissos não à vontade do dono, mas à absoluta falta de vontade própria para serem algo além do que o médio, algo além do que lhes impinge a publicidade. Bons perfumes e carnes, that’s all.
Escrever exige tempo, dizia. Eis que me sobra, então, às vezes, uma nesga, entre um trabalho e outro. Entendam: o trabalho é-me, em si, exercício corporal. Nele corro, e cada vez mais – de acordo com as vicissitudes do justíssimo sistema em que vivemos – em busca da necessidade de manter o corpo em pé. Já que o “não-trabalho trabalhoso”, que é escrever, caracteriza-se por ser menos tarefa do corpo do que do espírito, fica relegado, aparentemente mas não essencialmente, ao segundo plano. E nele descanso. Em outras palavras: mesmo em meio ao lodo pelo qual trafega o corpo, meu espírito continua pronto e não se importa com o aparente. Mas isso não compreendem nossos businessmen, nossos idiotas da objetividade, ainda que eu esteja em forma.
Encerra-se o ano aqui na Ermida, com alguns textos escritos e outros recuperados – e mais de 3500 visitas, pelas quais agradeço. O que importa, contudo, é haver, ainda, muitos livros a ler, antes de escrever mais. Para desespero meu, porém, até mesmo a leitura virou fait divers de jornais televisivos e objeto de “maratonas”, seja em Parati, seja na terra do grande bardo Teixeirinha… Um grande estímulo ao asco, enfim. Diante disso, sinto a necessidade – porque o tempo é realmente curto – de fechar ainda mais a porta a toda essa sabedoria hodierna e de ler, quem sabe, os antigos, aqueles tolos.
Feliz 2010 a todos!