Sobre Heidegger e sua análise de Hölderlin, aplicada a mim mesmo sem intenção de eco ou rima

Hölderlin

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 Meu tempo é o tempo do poeta. Mas o que é declarar isso de maneira tão abrupta sem dar maiores explicações ao leitor de hoje? A primeira dificuldade com que me deparo é de fundo cultural. Ter a coragem de dizer que meu tempo é o tempo do poeta é ter a coragem de correr o risco de ser de imediato ridicularizado. Mas por quê? E por quem? Respondo: Porque os tempos de hoje são tempos que transformaram poeta em sinônimo de palhaço no mau sentido do termo. E quem perpetrou tal transformação, poder-se-ia dizer, foi, praticamente, a humanidade como um todo. Assim ficamos: o poeta é quase um imbecil. Tal idéia reforça-se ainda mais pelo fato de que há poetas de fato imbecis e de que são esses que tomam o espaço naquilo que hoje em geral se considera o centro da vida: o mundo da vida diária orientada pelos meios de comunicação. Nesse campo, o da interação entre as pessoas, o da mídia, importa muito o que se diz mas só se esse dizer for causa de um efeito impactante. Mas impactante em que sentido? E impactante para quem? O impacto que recebo ao me inteirar das notícias diárias que me chegam, por exemplo, é um impacto de superfície, porque elas estão inseridas na temporalidade vulgar do dormir, acordar, ganhar dinheiro com o trabalho, almoçar, ganhar dinheiro com o trabalho, jantar e dormir… É a esse tempo que o poeta não pertence, porque ciente de que a vida humana é curta e de que, principalmente, sua própria vida é curta, não pode deixar de voltar seu interesse e seu trabalho – vejam bem, o poeta trabalha – para outra coisa que, temporalmente, é bem maior e se estende, até onde se pode perceber, à origem do que entendemos por civilização ocidental, perscrutando o que disseram os filósofos físicos gregos, por exemplo, e que, de lá, desloca-se até o futuro vindouro, o futuro de seu filho, mesmo que esse filho ainda não viva, de seus netos e bisnetos. Trata-se, como se vê, de um tempo mais amplo do que o da cotidianidade – um tempo mais amplo, por exemplo, do que o acompanhamento incessante daquilo que fazem no aqui e agora nossos políticos, tão em voga neste mês por causa das eleições. Para o poeta, se o tempo fosse um cachorro, os políticos não seriam mais do que as pulgas. A necessidade de transformar o mundo imediatamente, de transformar o Brasil imediatamente, de acreditar em um determinado projeto político e crer que a mudança será para o bem de todos é algo que se dá muito pelo caminho do esquecimento do esquecimento de que a vida é curta, de que os mais ou menos 80 anos de qualquer indivíduo não poderiam findar-se sem que ele experimentasse lembrar de ser ele mesmo por uns oito meses, por uns oito dias, por umas oito horas, imergindo um pouco no imponderável, no que não conhece. O caminho do esquecimento já está mais do que trilhado e seus resultados são estes que já temos diante de nós. Viver o turbilhão do cotidiano, viver eternamente preocupado em vencer, em melhorar o mundo, em fazer tudo pela humanidade tudo isso não é mais do que alienação, ainda que o senso comum julgue ser a mais profunda atuação. Ao poeta, esse viver é apenas esquecimento; é não lembrar-se de viver, é dizer não ao conhecimento de si mesmo e do mundo, é projetar no outro o próprio desespero de não se saber quem se é, ou, pior, é ainda não se saber mesmo quem se é. Ao ousar “exigir” de todos que voltem à vida, que lembrem-se de que o cotidiano é esquecimento, o poeta não quer a facilidade de viver de amores, de flores ou do ar, como em geral dele se pensa. O poeta vive do silêncio e pelo silêncio, mas não de um silêncio meditativo e vazio que tudo anula e provoca a ilusão de placidez. Não. Seu silêncio é outro, é um silêncio laborioso: vem do que viu, vem do que viveu em constante lembrar-se, vem dos mortos com quem compartilhou sua vida, vem, mais do que qualquer outra coisa, das entrelinhas do que leu em tudo o que já lhe disseram os livros, muito mais livres e vivos do que ele, os livros, ainda que bem vivo esteja.

Texto escrito em 20/10/2006
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