Não tenho muita coisa contra a publicidade, o que é, naturalmente, um eufemismo para dizer que, de fato, tenho muita. Política, geográfica e historicamente, talvez tivesse menos, caso não vivesse, como vivo, no Brasil.
Como sabemos, o país do futebol (e do Carnaval e de outra coisas importantes…) sediará a Copa do Mundo neste ano, o que, por si só, justifica a profusão de chamadas publicitárias sobre o assunto, de longas e “épicas” (ai, Homero!) propagandas em nossos gloriosos, premiados e mundialmente reconhecidos meios de comunicação. Seria rabugice extremada de minha parte vir aqui reclamar disso, tanto mais quando vivemos em regime capitalista, sobejamente afeito ao vender (sim, o verbo é intransitivo)?
Ocorre que nesta modorrenta tarde de domingo, desloquei-me até certa livraria da outrora chiquérrima Visconde de Pirajá, em plena Ipaneema, como dizem os gringos, para comprar um livrinho que faltava em minha biblioteca (o clássico de Thomas Kuhn, lançado pela Perspectiva há muito tempo). Fiquei lá umas duas horas, revirando livros, lendo orelhas e impressionando-me com o preço nada convidativo do conhecimento ou da cultura materializada em papel e letras aqui no país dos balangandãs. Aliás, um dos livros em que fucei foi o novo do velho e bom Luiz Costa Lima, no qual o autor maranhense (é sempre bom saber que o Maranhão tem homens de valor, como o próprio Costa Lima, como Odorico Mendes…) discorria, em um pequeno capítulo, sobre a qualidade de nossa educação, isso depois de usar como intróito a tragédia de Santa Maria “(RS)” – para mim, gaúcho, nem era necessário especificar o Estado…
Enfim, não comprei o novo livro de Costa Lima, pois o Kuhn estava na frente em minha lista pessoal e, principalmente, porque não há quase mais espaço para livros aqui em casa, segundo minha mulher.
Na volta da charmosa livraria (em cuja fila do caixa, diga-se de passagem, tive de receber, por motivos que ignoro, demonstração de desprezo de uma dama sexagenária e descolorida da sociedade carioca, que, ao ouvir o funcionário gritar “próximo” – eu –, simplesmente cortou minha frente no melhor estilo Rua da Assembléia) – na volta da charmosa livraria, dizia eu, decidi fazer o percurso até o metrô, rumo a Copacabana, a pé, o que dá umas seis ou sete quadras. Nessa caminhada, numa das esquinas do bairro daquela coisa mais linda, mais cheia de graça de outrora, deparo-me com a figura acima, que ilustra este texto. Que surpresa desagradável!
Não parei, mas, já passando o anúncio, voltei o pescoço para acompanhar bem o que estava escrito, para identificar a origem do troço. Era obra da Nike (ai dos gregos, ai da Vitória, ai de mim…), essa potestade do mundo esportivo, patrocinadora de Gigantes do futebol, de campeões mundiais, como, inclusive, do meu Sport Club Internacional, a que tantas tardes e noites de minha vida já dediquei (mas essa é outra história…). Lá, no quase outdoor, estava escrito, em português e quimbundo, como sói acontecer em terra miscigenada: “Joga moleque” (sem as aspas, é claro). Sem vírgula também e sem ponto algum, seja ele final ou de exclamação.
Primeiramente, pensei: “Sim, é possível”. As novas hordas, dominadoras de dispositivos eletrônicos de última geração, pouco ligam para pontuação. Preciso ser mais condescendente. Ademais, os lingüistas de hoje – nem só de hoje, na verdade – são todos muito judiciosos, modernos e abertos a inovações: “O importante é comunicar”, dizem eles. Por que implicar, portanto, com a suposta falta da vírgula a separar verbo de vocativo? Por que exigir, então – violação máxima do senso comum hodierno –, ponto de exclamação ao final da frase? Por que “sofisticar” tanto a coisa? Por que não deixá-la assim, simples, sem ponto, sem nada, acessível ao homem comum de hoje, e, ainda por cima, corroborante da linguagem dos onipresentes “dispositivos móveis”?
Segundamente, como diria Odorico (não o tradutor da Ilíada, mas o de Dias Gomes), pensei: “Bom, pelo menos, terei algo sobre o que escrever”. E é isso que faço aqui, escrever sobre um descompasso. Descompasso entre o modo como vejo minha língua, que é a mesma do publicitário, que é a mesma de Neymar Júnior, que é a mesma de toda uma geração de brasileiros. Descompasso entre o que penso sobre o meu País e sobre o que pensa a massa ainda não alfabetizada. Não haverá, amigos, diferenças? Não estaríamos nós, brasileiros, demasiadamente centrados na cultura da imagem? Pior: no culto da imagem vazia de conteúdo? No lance plástico, no caso, estética e futebolisticamente belo de um sujeito que, salvo engano, pouco conhece do país? Que não leu, salvo engano, mais do que meia dúzia de livros, se tanto? Que Brasil é este, senhores, que estamos construindo para os nossos filhos? Um Brasil centrado no êxtase do drible, na ginga do samba (do funk)? Um Brasil “moleque”, um Brasil analfabeto até a medula, sem nada a dizer ao mundo? Um Brasil somente imagem, um Brasil sem discurso, um Brasil que não concatena três períodos em seqüência? Um Brasil que não sabe da sinonímia entre período e frase e que me faz ter de explicitar isso? Um Brasil que se compraz de seu corpo e que dispensa seu cérebro? Um Brasil burro, enfim?
Ó Bandeira, meu estimado Bandeira, se soubesses o quanto o “falar gostoso” a língua portuguesa trouxe-nos mais desgraças do que satisfações, voltarias ao Parnaso!
Bem flagrado e bem colocada tua crítica! Mas não se deve esperar muito pela ortografia&sintaxe de um reclame(!) desta multinacional que quer faturar o que pode e o que não pode neste 2014. Mesmo em sites de empresas nacionais tenho observado algumas “pedradas”, tipo como a que consta no site da Danby-Cosulati (lá da terra) que ao especificar o valor energético de um tipo de leite colocou 118 kj, quando sabidamente o Joule (unidade de energia) deve ser representado pela letra J. O bom foi que percebi isto em aula e taquei a crítica na hora em frente aos alunos.
O negócio é estarmos atentos sempre…
Abraço,
Vinicius