O caráter peculiar (e direto) desta introdução requer, inicialmente, a análise do seguinte trecho do famoso texto de Weber:
“Resta, isso sim, o fato de que os protestantes […], seja como camada dominante ou dominada, seja como maioria ou minoria, mostraram uma inclinação específica para o racionalismo econômico que não pôde e não pode ser igualmente observada entre os católicos. […] A razão desse comportamento distinto deve pois ser procurada na peculiaridade intrínseca e duradoura de cada confissão religiosa, e não na situação exterior histórico-política.” (Weber, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. p. 33-34. São Paulo: Companhia das Letras: 2004. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. Revisão/edição do texto: Antônio Flávio Pierucci)
Percebe-se, já no primeiro capítulo da Parte I do livro – todo ele baseado em dados estatísticos, ressalte-se –, uma espécie de declaração de princípios, uma tendência de buscar, no protestantismo, indiferentemente da situação histórico-política, certa essencialidade no movimento favorável às profissões aquisitivas, ao mundo dos negócios, à prosperidade econômica, enfim; ao passo que ao catolicismo estaria reservado, pelo menos à primeira vista, um lugar menor em relação a essa mesma prosperidade, uma espécie de negação ao lucro, conforme citação de Offenbacher apresentada pelo próprio Weber: “O católico (…) é mais sossegado; dotado de menos impulso aquisitivo, prefere um traçado de vida o mais possível seguro, mesmo que com rendimentos menores, a uma vida arriscada e agitada que eventualmente lhe trouxesse honras e riquezas.” (p. 34)
Contudo, a facilidade dessa dicotomia não se sustenta, segundo Weber, uma vez que a vida dos protestantes do passado (isto é, puritanos ingleses, holandeses e americanos, e não os protestantes do princípio do século XX, época de produção do texto) em muito se assemelhava à vida católica, justamente por também trazer traços de caráter que seriam semelhantes ao “estranhamento do mundo” (traços católicos) e opostos à “alegria com o mundo” [Weltfreude], que marcaria os protestantes contemporâneos a Weber, já bem mais secularizados.
Weber então argumenta que a relação direta que o senso comum (e também Offenbacher) faz entre, de um lado, o “estranhamento do mundo” e o catolicismo, e, de outro, a “alegria com o mundo” e o materialismo protestante, está longe de ser exata. Para Weber, tais oposições não se sustentam. Por isso, propõe que elas dêem lugar “a uma constatação inversa, de um íntimo parentesco entre estranhamento do mundo, ascese e devoção eclesial, por um lado, e participação na vida de aquisição capitalista, por outro.” (p. 36). Com isso, o leitor mais atilado pode perceber que Weber faz perfeitamente o que anuncia a citação que escolhi para encabeçar esta minha pequeníssima introdução (a qual, apesar de pequena, deu-me algum trabalho. Sim, ser sintético é trabalhoso): busca a perenidade, a essencialidade – a raiz religiosa, diria eu – do espírito capitalista que anima a ética dos protestantes (sempre mais prósperos economicamente), para além da sua contingência histórica. Senão vejamos:
“Se é para encontrar um parentesco íntimo entre o antigo espírito protestante e a cultura capitalista moderna, não é em sua pretensa “alegria com o mundo” mais ou menos materialista ou em todo caso antiascética que devemos procurá-la, mas sim, queiramos ou não, em seus traços puramente religiosos”. (p. 38)
Entendeu o espírito da coisa, meu jovem?