O panóptico (essa maravilha [o itálico marca ironia] concebida por Bentham, e esmiuçada nas páginas de um dos livros de Foucault mais lidos no Brasil, por conta de um certo filme) – anunciam-me alguns teóricos – não é só o panóptico em sua encarnação física (que vemos, na foto acima, em um presídio de Barcelona); não é tampouco somente o seu resultado mais imediato, isto é, a possibilidade de vigilância sem vigilante, uma vez que o preso, como sabemos, acaba por introjetar a sensação de estar sempre sob os olhos de alguém, ainda que a torre de observação esteja vazia; o panóptico, hoje, para além dessas sutilezas do mundo real, é muito mais a vigilância exercida pelo incrível mundo da Internet [ironia em “incrível mundo da Internet”, ainda que sem marcação de itálico ou aspas…]. Esse mundo, por meio de e-mails, pop-ups, spams e outros dispositivos mais recentes, como o discreto twitter – que em geral nos informa sobre fatos importantíssimos da vida cotidiana de pessoas desimportantes –, está sempre a nos dizer: sei que você está aqui (ou saiba que eu estou aqui), sei que você percorre (ou saiba que eu percorro) tais e tais caminhos pelo mundo virtual e que, portanto, seu (meu) perfil é este ou aquele…
Em outras palavras, o controle antes introjetado a partir de um suporte físico, a torre, é hoje exercido ao longe, sem torres, sem fios. Vejamos como, grosso modo, esse processo se dá para quem escreve na Internet, panóptico encarnado, e para quem escreve em papel (livros).
Quem escreve, seja qual for o meio utilizado, escreve para terceiros, escreve para um leitor (ainda que teóricos da comunicação, como Castells, já falem em autocomunicação…). Mais do que escrever para terceiros, contudo, na Internet escreve-se com a clara possibilidade de que os terceiros digam algo sobre o que foi escrito (motivo pelo qual há a seção “comentários” em quase todos os textos da rede, inclusive neste). Há, portanto, um fundo social, ainda que de baixa intensidade, nesse dispositivo. Desse fundo social, autores diferentes fazem uso também diferente. Alguns comprazem-se em constantemente declarar sua própria genialidade pela via negativa, isto é: pelo elogio ao comentário “brilhante” de um leitor acabam elogiando-se a si mesmos. Outros, resolvem bloquear os comentários, a fim de não ter de abrir espaço a injunções externas de qualquer espécie, exceto à injunção da prepotência. No meio termo, outros, ainda, mantêm os comentários abertos, embora pouco uso seja feito deles. O escritor, portanto, controla, exercendo seu poder sobre os leitores e, de certa forma, deixa controlar-se, mas somente para que seu poder se fortaleça, ainda que inconscientemente.
A leitura de um livro, por sua vez, não dá espaço a comentários dessa espécie, especialmente pelo fato de os autores estarem bem distantes, freqüentemente mortos… O diálogo é feito, assim, com o lápis à mão, à margem do texto, e depois convertido, ou não, em texto secundário (refiro-me especialmente à crítica literária, mas o procedimento vale para a leitura em geral). Percebam a virada: o poder maior aqui é do leitor, e não do escritor. O leitor, portanto, pode efetivamente elaborar sua interpretação sem o comando do olhar onipresente do autor. Agora, sem dúvida, trata-se de um processo mais trabalhoso, como, aliás, são todos os processos que conduzem à autonomia do sujeito.