Ser poeta, cineasta ou qualquer coisa relacionada à arte ganhou, hoje, uma conotação repugnante. Estou convencido de que é melhor ser escriturário. Já fui; vou sê-lo; já sou. Todos querem saber o que o artista pensa. E o artista, hoje, está sempre pronto a dizê-lo. Nada mais maçante do que ouvir os comentários do diretor sobre a escolha da tomada da cena tal do filme tal em contraposição a outra tomada, preterida por uma razão qualquer. É necessário explicar a arte, isto é, trazer para fora da própria arte sua “essência” via comentários que a tornem digeríveis por ávidos compradores. Hoje arte se compra. E é só. Os artistas de hoje são, por isso, também os teóricos de sua própria obra. Já que eles detêm os direitos autorais sobre sua mercadoria, nada melhor do que nos expliquem o que ela é. Nossos artistas são, assim, os senhores da ontologia da obra de arte, vejam só! E eu, que pensava saber ainda pensar, me sinto, agora, inútil, pois estou dispensado de fazê-lo. A interpretação da obra já me é servida pronta, por alguns reais a mais.
A empáfia e a prepotência dos nossos artistas-intelectuais, e em especial dos artistas-intelectuais aqui do Pampa, é de doer. Depois da chegada do Partido da estrela ao poder nacional, então, a coisa adquiriu requintes patológicos. De uma hora para outra, empresários dos meios de comunicação de massa e artistas-intelectuais “revolucionários” começaram a falar a mesma língua. Aqueles passaram a achar uma maravilha ser revolucionário, e estes passaram a achar interessante aprender a administrar seus “negócios” artísticos. Antigos críticos dos meios embasbacados de comunicação da não menos babaca Porto Alegre agora se aliam a cúpula empresarial, numa síntese primorosa, numa crença obtusa de que capital e Estado podem sempre reerguer a arte do limbo em que se encontra na nossa civilização. Mas reerguer a arte é diferente de fazê-la render mais, de fazer com que se difunda por se difundir. Aos idiotas revolucionários que se abraçam com alma e tudo a esta mídia daqui, tudo parece normal, porque pensam que o simples fato de popularizar a arte é suficiente para justificar qualquer aliança. Antes, aliavam-se aos empulhadores da “administração popular” – eram pessoas que mudariam o mundo com seus fóruns e orçamentos participativos. Que lindo!; hoje, nem se importam que Fogaças e Rigottos tenham sido mais palatáveis à massa ignara. Pensam: “Estamos levando vantagem de qualquer forma; nossa arte está aparecendo. Nosso líder ainda tem o poder em Brasília. É preciso ser pragmático”. Sempre é claro, sob o crivo da máxima de Tolstói, aquela que diz “fala de tua aldeia, que alcançarás o mundo”, que atende bem a capital e Estado. E dê-lhe contar história lugar-comum sob a perspectiva do gaúcho, como se este fosse de uma estirpe diferente. Como se não fosse um exemplar repetido da raça humana. Acabam incrementando a xenofobia de um povo que não sabe discernir identidade de racismo. É justamente essa aliança que manterá para sempre a arte como mera ilustradora do cotidiano escravizado; é essa mesma aliança que fará com que a arte seja sempre apenas diversão de final de semana.
Já que arte não enche barriga, e em geral nunca encheu mesmo, nossos heróis revolucionários acharam melhor inovar e transmutá-la em churrasco de domingo. Com muita cerveja, é claro, para causar aquele sono boquiaberto, digno de homens boquirrotos, satisfeitos com a vida. Assim como são e sempre foram os artistas, não é?
Pingback: Fique por dentro Artista » Blog Archive » Ser artista, hoje « Vinicius Figueira
Vinicius, acabei de ler o seu texto e me transportei para sua cidade imaginariamente. A minha é Floripa-SC. Posso te falar que quase não muda muito, apenas a situação geográfica que, afinal é uma ilha .Infelizmente,a arte está cada vez mais a serviço de ideologias frustradas e está se perdendo na essência. Esse momento o qual estamos vivendo ” é o burlesco da classe brasileira do século XXI”.